Dezembro 8, 2024
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Artista portuguesa apresenta exposição em Paris

O trabalho integra 21 peças e cruza técnicas clássicas de Belas-Artes com linguagens contemporâneas, funcionando a obra no todo como uma performance teatral, que oscila entre o real, o poético e o surreal. Erotismo bordado em lenços, cabelo-propaganda feito de passe-vites, um banco-confessionário com fartas ancas e peito generoso e ainda úteros pensadores servidos à mesa, estas são algumas das propostas de Melanie Alves. O fio condutor é o vermelho.

No âmbito das comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, a artista plástica luso-americana Melanie Alves vai apresentar no próximo dia 4 de dezembro, quarta-feira, a exposição Marias de Abril, na Maison du Portugal – André de Gouveia da Cité International Universitaire de Paris, a qual poderá ser visitada até 9 de fevereiro de 2025.

Este trabalho tem como objetivo homenagear artisticamente, através de alguns exemplos reais, todas as mulheres portuguesas (as Marias) que, pelas suas lutas — pessoais e coletivas, de forma privada ou pública, direta ou indiretamente — contribuíram nos seus diversos papéis (filhas, mães, avós, esposas, domésticas ou profissionais) de modo decisivo para pavimentar o caminho da Revolução.

Isto porque, como explica Melanie, “o 25 de Abril é uma narrativa focada no masculino, sobretudo nos militares e nos políticos. Mas, é importante desconstruir esta ideia e mostrar que o cravo também é feminino. E foi o que fiz. Selecionei algumas mulheres-chave, estudei-as nas suas múltiplas dimensões, peguei em detalhes que as caracterizam e tornei-as simultaneamente sujeito e objeto artístico para que, desta forma, o seu legado precioso continue a ser exemplo.”

Helena Pato, Maria Barroso, Natália Correia, Maria Lamas, Catarina Eufémia, Conceição Ramos, Celeste Caeiro, Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta são os nomes das personalidades que inspiraram este trabalho e que serviram de âncora e de bússola para representar as lutas (mesmo as da sombra e até as mais invisíveis) das Marias de Portugal.

Para contar estas histórias, Melanie, enquanto a(r)tivista social, partiu da constatação de uma realidade transversal: as mulheres durante os 48 anos do Estado Novo quase não tinham direitos e estavam reduzidas ao cuidar: da família e da casa. Por isso mesmo, como defende a autora, “a revolta destas Marias, para ser efetiva, tinha de começar no espaço que dominam e com as ‘armas’ que sabem usar como ninguém.”

Com o objetivo de libertar estas mulheres, a artista plástica resgatou, então, o património doméstico que as acorrentava — esfregonas, vassouras, máquinas de costura, agulhas, espremedores, raladores, chávenas, foices, fechaduras, formas de bolos, sinos, lãs, botões e tecidos­ (gravatas, lenços, cortinas, redes mosquiteiras…) — e transformou-o em verbo, em agente de mudança, em revolução em marcha.

Este efeito de rebelião — que oscila entre o real, o poético e o surreal — está expresso em 21 peças de diversas dimensões e só foi possível criar porque Melanie Alves cruzou técnicas da sua formação clássica em Belas-Artes — retratos, desenho, pintura e escultura — com linguagens contemporâneas e conceptuais, como instalações de cerâmica e de têxtil (bordados, quilting…), funcionando a mise-en-scène global como uma performance teatral em que o vermelho é o fio condutor.

“Em todas as obras que faço o conceito é ‘rainha’, pois é ele que dita os materiais e as técnicas e nunca o contrário. Como não sou fundamentalista, no processo criativo parto das minhas raízes da academia para depois quebrar, adicionar valor ou até ressignificar esse conservadorismo ao juntar outras abordagens artísticas menos convencionais. Com esta intertextualidade visual, o espectador tem acesso a várias camadas de informação e, como tal, a planos de leitura diferentes. Adoro as entrelinhas. O óbvio nunca me interessou”, comenta a autora do projeto.

Além da temática no feminino, esta exposição fica ainda marcada por outra vertente que caracteriza Melanie Alves. Enquanto ecoartista, e numa lógica de economia circular e de upcycling, mais de 90% destas Marias são feitas com desperdício e com objetos em segunda mão. Estes ‘achados’ funcionam nuns casos como mera matéria-prima, sendo que noutros deram origem a ready-made ao estilo de Marcel Duchamp, os quais têm a mesma importância discursiva que os objetos construídos pela autora.

Poesia erótica saída de lenços que sufocam; discos de passe-vites que são ao memso tempo cabelo e propaganda destruída, chá que acalma tensões servido ao patronato no dia da Revolução, uma mesa de úteros férteis de ideias que se juntam para ovular e ainda um banco-confessionário de Igreja cujas curvas voluptuosas do peito e das ancas alimentam prazeres, pecados e culpas, estas são algumas das propostas de Melanie Alves para celebrar as Marias de Abril.

Funcionando como extensão da exposição, a vernissage (dia 4) inclui ainda um concerto da cantora portuguesa de intervenção A Garota Não (nome artístico de Cátia Oliveira), na medida em que, tal como Melanie, também ela usa a arte para promover a mudança de problemas estruturais da sociedade, sendo os temas-base da sua obra: 25 de Abril, repressão, feminismo e direitos humanos.

As Marias de Abril contam com a colaboração de várias entidades, nomeadamente : Maison du Portugal (apoiada pela delegação francesa da Fundação Calouste Gulbenkian), Caixa Geral de Depósitos em França, Canelas, Agência de Comunicação YOLO, Cap Magellan, Sociedade de Belas-Artes de Lisboa, Arte Institute, Viarco, Casa Ermelinda, Burel Factory, SLCR, Jet Travel, Rolé na Europa, Mari Photographie e MDS.

Nota : Celeste Caeiro, a Maria que pôs o cravo ao peito dos portugueses, faleceu no passado dia 15 de novembro de 2024. Esta é a primeira obra apresentada em público desde a sua morte.

BRIOGRAFIA

Melanie Pereira Alves, também conhecida como Mel Alves, nasceu a 9 de dezembro de 1983 (40 anos) e é uma artista multidisciplinar luso-americana de intervenção, cujo processo criativo se baseia sempre na seguinte premissa: é o conceito que define o melhor meio para o materializar e nunca o inverso.

Como tal, os seus trabalhos podem assumir várias linguagens, sendo as instalações, videoarte, fotografia e street art (murais…) as plataformas mais privilegiadas, pela dimensão, visibilidade e acessibilidade que conferem à mensagem.

Apaixonada por histórias reais (sobretudo no feminino) — dar voz a quem não tem voz, pois todas as narrativas contam — e por suscitar reflexão sobre o estado do mundo, as suas obras incidem em retratos e em conteúdos provocadores (no sentido de abrir uma conversa), os quais se expressam em variados materiais: tecidos, lãs, carvão, botões, linhas, tintas, tela, madeira, cerâmica, ferro (…).

Além de ser uma ativista social (autoapelida-se de ‘a(r)tivista’), Melanie é também uma ecoartista, pois usa o desperdício como ‘arma’: todas as suas produções fomentam a economia circular pela prática de upcycling — reutilização criativa de peças —, dando origem àquilo que se pode denominar de green art ou low-carbon art. Mel Alves nasceu nos EUA, mas estudou desde criança em Portugal, onde mais tarde se formou em Belas-Artes pela Universidade do Porto, tendo ainda passado por duas faculdades de Belas-Artes em França, mais precisamente em Paris e em Bordéus.

Após terminar o curso, Melanie viveu durante seis anos em Londres e oito em São Francisco, onde teve exposições nas conceituadas galerias de arte contemporânea e de arte urbana, nomeadamente na Midway Gallery, Whidewalls Gallery, 111 Minna Gallery e Modern Eden.

Em 2019, decidiu regressar às raízes para explorar o património humano de Portugal e contar, de forma original e sustentável, histórias do seu país.

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